quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Twilight

Os dias eram iguais e após alguns meses, a junção de tantos dias iguais, formaram algo diferente. A junção de tantos dias iguais causava mudanças.

Queria café. Já eram 19h, mas estava claro demais, quente demais. Não parecia noite porque não era. Era um meio termo esquisito, e sentiu que tomar café naquele momento pareceria estranho. Ele dizia coisas engraçadas, das quais ela não se lembra mais, só lembra que a faziam rir. Talvez não o que era dito em si, mas a situação. A vida como estava. Era inesperado.
Levantou da cama e se vestiu. Ela ficou parada olhando. Ofereceu café. Ela achou divertido. Explicou a situação da noite-não-tão-noite-pra-café e ele fez cara de quem achou bobagem.
Sentou ao lado dela, abaixou a cabeça, lhe afagou os cabelos. Disse que ia fazer café, e que já voltava. Que ela poderia fumar, se quisesse. Ou abrir a janela.
Se enrolou em um cobertor e fez o que lhe foi sugerido. As árvores impediam uma boa visualização do que acontecia do lado de fora, e os pássaros já não cantavam. O vento pós-chuva trouxe o cheiro dele que, obviamente, estava impregnado em cada parte do quarto - e dela. Achou bom. Sorriu.
Fumou um, dois cigarros. Mexeu nos livros, leu dedicatórias de pessoas que não conhecia, mas que tinham letras bonitas. Cantarolou, observou crianças que passavam lá embaixo, se apressando para o jantar. Voltou, entregou-lhe uma xícara verde de café e o Sol já não estava ali.
Propôs um brinde... com café. Dessa vez, ela que sorriu com cara de quem acha bobagem.
Tentaram falar, não conseguiram.
Poucas palavras, muitos olhares. A maioria das vezes não conseguiam entender.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Days, daze

Com uma xícara de café na mão - minha xícara preferida - ela observava, da varanda, a rua."Preciso ir, mas tá ventando muito". Não pedi pra sair. Não estou com pressa. Pode ficar por aqui, eu vou ficar também. "Vai chover. Se sair agora, sei que vou pegar chuva" Ninguém quer isso. Já disse que pode ficar. Quero que fique. Prefiro. "Mas se não for agora, não sei que horas a chuva vai passar, e não sei que horas vou poder ir embora". Não vá. Fique o quanto precisar. O quanto quiser. Se os céus me ajudarem, choverá pra sempre.
Entrou, fechou a porta e ficou encostada na mesma, olhando pra mim. Sentiu frio. Eu sabia disso pois o nariz estava vermelho, e segurava com afinco a tal xícara, que eu presumia estar quente. "Quer um casaco?" "Não, mas aceito mais um pouco de café". Levantei e fui em sua direção. Não se moveu, continuou segurando a xícara, exatamente como estava. Acho que queria que eu chegasse perto, bem perto. Cheguei. Estendeu a mão e sussurrou um tímido "obrigada". Pude sentir ela sorrir ao virar as costas. Desejei que ela pudesse sentir o meu sorriso também.
Já chovia quando voltei, e ela estava sentada no sofá, folheando meu jornal. Entreguei a xícara e observei suas pernas, tão belamente cruzadas. Senti que seus olhos estavam em mim. "Por que não diz nada?" Mas estou dizendo. Olha o tanto de coisa que estou te falando. "É muito difícil te dizer alguma coisa". Fez uma careta, mas depois sorriu. Acho que se sentiu ofendida, mas depois percebeu que era, de certa forma, um elogio. Sentei ao seu lado, apreensivo. Não era desconforto, era só... gostava dela lá, com seu cabelo castanho, suas unhas vermelhas, suas sapatilhas. Gostava do cheiro, da luminosidade. Mulheres em geral eram muito difíceis, e ela também era, mas era de um jeito mais especial. Era melhor. O sorriso sem jeito, a voz baixinha, a insistência em me olhar, jurando que eu nem percebia...
Colocou a cabeça no meu ombro. Ficamos assim até a chuva passar...
Demorou.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Muito é tão pouco

Te sentava na cadeira, te experimentava. Sentia teu cheiro e tentava descobrir do que era. Amêndoas, nozes, tempero, cheiro verde. Te sentava e te beijava, te sentia o gosto. Comparava com sorvete, com cerveja, com o bolo da doceria da esquina. Te sentava na cadeira, te cheirava, machucava seu pescoço. Sentia o cheiro do sangue, do intenso, do incenso. Do gato da vizinha, do meu shampoo, da sua jaqueta de couro. Te provava e sentia o gosto do café de mais cedo, do macarrão que viria e dos comentários sobre o filme. Sentia o cheiro do vento, via as cores do sol poente e te via no espelho.
Tão lindo.
Mas era tão curto. E durava noites inteiras, chuvas inteiras, dias nublados. Finais de semana, inícios, meios. Até onde a gente conseguia contar, até meu livro acabar, até o filme começar. Mas era curto. Era sempre pouco. Sempre vai ser efêmero.
E é mais que o suficiente.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Segunda Feira

Final de uma tarde esquisita. Ventava forte, o sol brilhava fraquinho, como se não quisesse estar lá, por cansaço mesmo. Horário de verão, ainda eram 18h. Ouvia folk alto, e andava enquanto dançava ou dançava enquanto andava. Não sabia bem a diferença. Rodopiava de um lado para o outro, com os cabelos soltos e sujos. A leveza do ser era aquilo, ela achava. Pés descalços, coração no lugar, feriado no dia. Cantavam liberdade, amor, mar, e parecia fácil, certo, real. Tocaram a campainha, ela parou subitamente. Não esperava ninguém, não haviam ligado, ninguém tinha dito nada. Se recompôs, e olhou pelo olho mágico.
De tão mágico, o viu parado, encarando os sapatos. De tão mágico, o viu mordendo o lábio, olhando pro lado. De tão mágico o viu e abriu a porta. De tão mágico, disse que tinha trago sorvete e aquele filme do Godard, foi entrando, agarrando e elogiando.
De tão mágico, se fez real, se fez único, se fez próprio.
De tão mágico, se fez eterno.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Com afeto

Pode esquecer tudo por aqui. Seu secador preto, seu sapato de salto alto, sue vestido florido. Pode se esquecer por aqui. Na xícara de café, no sofá, na varanda. Pode aparecer sem avisar. Durante a manhã, a tarde, a madrugada. Pode trazer uma samambaia pra cuidar, um gatinho branco, um aquário. Pode trazer seus livros, o notebook, as revistas de moda. Os cremes de pele, de cabelo. Os discos de cantoras com vozes doces, e até os do Bob Dylan. Traga seus filmes, suas histórias, seus sorrisos. Seus amigos, sua irmã, seus pais.
Esqueça-me. Cante pra mim. Só não se esqueça de nós.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Majesty

Me pedia café bem quente e deixava esfriar. Fazia isso o tempo todo. "Mais foi culpa tua que veio me beijar". Nem tocava nela. Do jeito que era, era capaz de dizer por aí que a estuprei. Cantava o tempo todo, e sempre com falsetes. "Soa mais profissional, amor". Aí já viu... Quando me chamava de amor, eu sabia o que iria acontecer. Amaria todas as partes do meu corpo, em todos os cômodos do apartamento velho e depois me faria fazer (mais) café. Voltaríamos ao início.
Às vezes chorava, às vezes fugia. Mas sempre acabava onde todas as mulheres bonitas acabam: no fundo de uma gaveta, descrita por palavras que nunca iriam fazer jus.
Ainda anda por aqui, ainda me arranha com a s unhas vermelhas, ainda me beija com os lábios carnudos, ainda me chama de amor.
Ainda exige café quente, ainda me deixa esfriar.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Antes que eu me esqueça

Depois de fechar a porta, ela sentou no sofá. Serena como só ela. Analisou o lugar, começou a reparar em algumas coisas que nunca tinha visto antes. Algumas preocupantes rachaduras no teto, alguns quadros tortos, algumas manchas no tapete. Coisas que, lembrou ela, ele vivia apontando, mas ela nunca via. "Esse lugar é um lixo", ele dizia. Mas ela nunca via. Alguns sentimentos cegam a gente de uma forma, outras cegam de outra. Esses últimos meses haviam cegado-a de todas as formas possíveis, e agora sem toda aquela luz, ela conseguia ver com mais clareza.
Sentia que estava flutuando. Tão leve. Tão nova. Com uma tristeza tão, tão diferente do habitual. Talvez não fosse tristeza. Talvez não seja. Queria chorar, mas não queria dizer nada. Não tinha mais certeza se queria que tivesse ficado, com toda aquela luz e com o jeito de quem não liga pra nada.
Viu que a vasilha do cachorro estava suja, que a janela estava fechada e que o lugar estava abafado. Que sentia sede, sono, fome. Que as coisas tinham mudado em 5 minutos o que não haviam mudado em 5 meses, 5 anos.
O leite azedou, a banda tocou e a vida não parou. Nunca vai parar. Não tinha o que organizar, não havia nada a lamentar.
Escreveu sobre toda a plenitude que tinha acabado de conhecer e foi dormir, sem medo de que tudo mudasse pela manhã.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Carta

É difícil de acreditar que encarar a janela vá fazer a chuva parar, assim como é improvável que a chuva dure mais de 1 hora, principalmente porque não é final de semana. Quem aqui mora sabe que só chove de verdade nas noites de final de semana.
Disse que queria comer sushi. Você me olhou com cara de nojo. "CARNE CRUA". Italiana então, que seja. A comida nunca fez muita diferença. Sempre estivemos mais interessados nos filmes que iam passar na TV. Nunca passa nada, só filmes bobocas de garotas que acreditam em amor eterno e filmes bobocas de caras que acham que explodir coisas é a solução mais viável.
De vez em quando você até me abraça. Diz que meu cabelo está com cheiro de morango, o que você julga ser interessante, porque combina com a cor.
Parecemos mais amigos do que outra coisa qualquer. Porque é o que de fato somos. Mas será? Você teve coragem de me beijar quando eu estava repleta de ovo e farinha de churrasco e tinta e felicidade. Aquele dia foi especialmente bonito pra nós. Você parecia sinceramente orgulhoso de mim, feliz por mim, mas não surpreso. Lembro que você sempre disse que eu conseguiria, e, quando consegui, que não estava acontecendo nada além do que era previsto pra minha vida. Tomamos banho juntos no mesmo dia, e pela primeira vez foi só banho. Você decidiu abrir mão da frescura com sushi e disse que me amava.
Agora um ano se passou, nossa música ainda é nossa música, nossos lugares ainda estão repletos de memórias que são construídas a cada dia e nosso amor ainda é nosso.
O verão continua chuvoso, o inverno continua seco, nosso gato continua morto e eu ainda vivo na minha casa e você na sua.
Você ainda odeia sushi, continua falando coisas injustas sobre Kubrick e continua agindo como se não fosse com você quando tenho minhas crises de ciúme.
O amor continua não sendo eterno, o amor continua não sendo a melhor coisa que já me aconteceu, mas você sempre será.
Obrigada.

domingo, 22 de maio de 2011

"Resíduos de Paixões que o tempo levou"

Fazia horas. Ela se concentrava com uma força anormal para não deixar as lágrimas caírem. Sentada na varanda, seguia os carros barulhentos e incômodos que passavam cada vez mais, cada vez com mais pressa. Seguia, seguia seguia. Segurava. Seguia. O vizinho batia com a vassoura na parede ferozmente, provavelmente irritado por causa do som que estava alto. Isso a ajudava a se concentrar em não deixar as lágrimas caírem. Sentava na cadeira vermelho-sangue que ficava na varanda, pegava o pequeno binóculo na mesinha ao lado, tampava os lindos olhos cinzas com as lentes e ficava observando o sétimo apartamento de esquerda para direita. Tal apartamento ficava do outro lado da rua, tal apartamento ficava no quarto andar do prédio amarelo. Com as luzes apagadas, o apartamento estava iluminado apenas pela fraca luz do Sol de final de tarde. Era possível ver o cachorro dele, que ela dera o nome de Spock, deitado no sofá marrom da sala. Então ela dirigiu a visão para a janela do quarto que estava aberta, mas a cortina fechada impedia que ela visse o que estava acontecendo.
Ele tocava violão enquanto a garota loira dava uma olhada em seus desenhos. Nunca dizia nada, só ia passando, passando, passando... e ele lá, tocando Chico Buarque. Quer café? Ela disse que só tomava chá, então ele se sentiu obrigado a se desculpar, disse que não tinha chá, já que não tomava. Ela sorriu e ele foi pra cozinha. No meio do caminho, parou pra acariciar o cachorro e tirá-lo do sofá. Estava todo babado e seria terrível pra limpar depois.
Ela saltou ao perceber. Ele estava só de cueca samba canção, com um aspecto cansado e cabelos bagunçados. Tem visita? Que bom. Cansou de ouvir o vizinho bater com a vassoura na parede e foi abaixar o som. Aproveitou e mudou para Chico Buarque, e sentiu que deveria pintar algo.
O cansaço o impedia de fazer as coisas direito, então derrubou pó de café no chão, açúcar na pia... um desastre. Se irritou e sentou em uma das cadeiras da mesinha pra dois, e ouviu os passos da garota loira. Agora vestida, ela dizia algo que ele não compreendeu direito por causa do sotaque, mas percebeu que ela estava indo embora. Levou-a até a porta e a abraçou. Esperou que isso fosse o suficiente, não queria falar nada. Foi até a varanda, acendeu um daqueles cigarros de cereja que a garota da semana passada tinha esquecido e ficou encarando o prédio cinza... Percebeu que era primavera, enquanto pensava que Cecília Meireles estava certa.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

After the Curtain

Sentou na beira da cama. Tinha algumas opções. Poderia olhar pra cidade amanhecendo, para as pessoas sem alma e sem vontade indo trabalhar, para os aviões - malditos aviões - roubando o céu dos pássaros, o céu dela, se apoderando de coisas que os humanos, por natureza, não deveriam... Ocupar. Poderia observar o movimento do hospital que ficava logo ali, na rua principal. Vez ou outra ela conseguia pegar alguém sendo levado às pressas por ferimentos graves, como total falta de esperança, o que geralmente explicava as faixas nos pulsos, ou o andar cabisbaixo de quem pensa "Porra, nem pra morrer eu sirvo". Estava desenvolvendo melhor a ideia quando percebeu algo se movendo atrás dela. Seria a segunda opção. Não tinha muito o que ver, pra ser sincera, já que ele tinha a odiável mania de cobrir-se por inteiro com o edredom, deixando então a mostra apenas os cabelos pretos ondulados. Imaginou que ele estivesse de boca aberta, babando em tudo que estivesse próximo dos lábios rachados, e com os braços abertos, em uma posição que, para quem observava, parecia extremamente desconfortável mas que, para ele, imaginava ela - e todas as outras que já o viram de tal forma - era a única coisa a ser feita com os braços que, quando não estavam sendo usados para tocar, desenhar, escrever ou acariciá-la, apenas atrapalhavam.
Escolheu a segunda visão e tratou-se de se enfiar nas cobertas. Que visão magnífica. "Ele deveria ser santificado", pensou ela. Era bonito demais para que alguém sequer considerasse outra opção. O nariz "de leãozinho" constantemente vermelho, o cabelo que caia tão bem com todo o resto e ah... faltava talento de sua parte para descrevê-lo. Mas ela sabia que, quando chegasse o dia, ah, quando chegasse o fatídico dia em que ele levantaria de lá pra nunca mais voltar... sua beleza permaneceria em tudo que ele já tocou. Permaneceria nela e finalmente ela seria boa o suficiente.
Beijou-lhe os olhos que dormiam e foi fazer café.