segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Antes que eu me esqueça

Depois de fechar a porta, ela sentou no sofá. Serena como só ela. Analisou o lugar, começou a reparar em algumas coisas que nunca tinha visto antes. Algumas preocupantes rachaduras no teto, alguns quadros tortos, algumas manchas no tapete. Coisas que, lembrou ela, ele vivia apontando, mas ela nunca via. "Esse lugar é um lixo", ele dizia. Mas ela nunca via. Alguns sentimentos cegam a gente de uma forma, outras cegam de outra. Esses últimos meses haviam cegado-a de todas as formas possíveis, e agora sem toda aquela luz, ela conseguia ver com mais clareza.
Sentia que estava flutuando. Tão leve. Tão nova. Com uma tristeza tão, tão diferente do habitual. Talvez não fosse tristeza. Talvez não seja. Queria chorar, mas não queria dizer nada. Não tinha mais certeza se queria que tivesse ficado, com toda aquela luz e com o jeito de quem não liga pra nada.
Viu que a vasilha do cachorro estava suja, que a janela estava fechada e que o lugar estava abafado. Que sentia sede, sono, fome. Que as coisas tinham mudado em 5 minutos o que não haviam mudado em 5 meses, 5 anos.
O leite azedou, a banda tocou e a vida não parou. Nunca vai parar. Não tinha o que organizar, não havia nada a lamentar.
Escreveu sobre toda a plenitude que tinha acabado de conhecer e foi dormir, sem medo de que tudo mudasse pela manhã.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Carta

É difícil de acreditar que encarar a janela vá fazer a chuva parar, assim como é improvável que a chuva dure mais de 1 hora, principalmente porque não é final de semana. Quem aqui mora sabe que só chove de verdade nas noites de final de semana.
Disse que queria comer sushi. Você me olhou com cara de nojo. "CARNE CRUA". Italiana então, que seja. A comida nunca fez muita diferença. Sempre estivemos mais interessados nos filmes que iam passar na TV. Nunca passa nada, só filmes bobocas de garotas que acreditam em amor eterno e filmes bobocas de caras que acham que explodir coisas é a solução mais viável.
De vez em quando você até me abraça. Diz que meu cabelo está com cheiro de morango, o que você julga ser interessante, porque combina com a cor.
Parecemos mais amigos do que outra coisa qualquer. Porque é o que de fato somos. Mas será? Você teve coragem de me beijar quando eu estava repleta de ovo e farinha de churrasco e tinta e felicidade. Aquele dia foi especialmente bonito pra nós. Você parecia sinceramente orgulhoso de mim, feliz por mim, mas não surpreso. Lembro que você sempre disse que eu conseguiria, e, quando consegui, que não estava acontecendo nada além do que era previsto pra minha vida. Tomamos banho juntos no mesmo dia, e pela primeira vez foi só banho. Você decidiu abrir mão da frescura com sushi e disse que me amava.
Agora um ano se passou, nossa música ainda é nossa música, nossos lugares ainda estão repletos de memórias que são construídas a cada dia e nosso amor ainda é nosso.
O verão continua chuvoso, o inverno continua seco, nosso gato continua morto e eu ainda vivo na minha casa e você na sua.
Você ainda odeia sushi, continua falando coisas injustas sobre Kubrick e continua agindo como se não fosse com você quando tenho minhas crises de ciúme.
O amor continua não sendo eterno, o amor continua não sendo a melhor coisa que já me aconteceu, mas você sempre será.
Obrigada.